terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Karajás 04

Estar defronte a Aldeia de Macaúba, fez-me romper muitos estigmas, os quais me pareceram tapados e desatualizados por uma vida inteira.
O primeiro deles, foi a decepção em encontrá-los com roupas de algodão e poliéster. Senti que enfrentei um luto com a imagem construída a seu respeito dentro de mim.
Onde estavam os cocares, as penas, as folhas, as tranças, os colares, as saias de palha? 
Tantas vezes observei essas meninas em meio ao meu mais sincero silêncio. 
Não sabia se podia me sentir triste por estarem com vestimentas parecidas com as minhas.
Sei que fiquei, e parece que estou assim até hoje, enquanto revivo esta fotografia. Confesso que não sei me conformar com esse severo impacto que a cultura indígena sofreu e vem sofrendo, desde a colonização do Brasil. Até que ponto isso foi evitável? 
Questionei-me acerca da essência  carregada em seus traços genéticos, sendo invadidos por costumes que nunca foram os seus. 
Sua beleza raiz, de cabelos negros ("nos ombros caídos") e lisos, repartidos ao meio e com franja, sorriso largo, olhos puxados, pele morena, ausência de curvas... não combinavam com roupas. E nunca vão combinar, ao menos não na minha mente.
Problemáticas me apareceram, o cerne de toda missão bem vivida.
Se eu não queria que se parecessem com os brancos, o que eu estava fazendo ali ? Eu e minha equipe éramos inocentes ao imaginar a dimensão deste impacto a longo prazo ? Como dimensionar seus pontos positivos e negativos? 
Independente da raça, cor ou etnia, somos tanto influentes, como influenciáveis. 
Ainda que se levem décadas, centenas de anos. A mistura ocorrerá. Afinal, nada muda do dia para a noite. 
Cheguei a breve conclusão de que ser  voluntária naquele contexto, era "tentar" tapar os buracos de uma influência que os enfraqueceu ao longo desses anos. 
Senti-os debilitados e reféns de uma convivência que nunca pediram para ter (ou pediram ?).
Debilitados, no sentido de possuírem muitos deficits (cultural, emocional, educacional, e de saúde).
Reféns, por se verem em condições de implorarem por cuidados do governo, prantearem por suas terras, por seus direitos indígenas, por sua própria história.
Estavam muito bem ali, vivendo de sua caça, de sua natureza, de seu sangue.
Ora brancos... por quê? 
Se um dia fomos evitáveis, hoje fazemo-nos inevitáveis.
Como eu poderia ser útil, adequá-los diante da realidade existente, minimizar suas cicatrizes, e ainda tentar preservar os traços de sua cultura sem moldá-los, ainda que inconscientemente, à minha?



Isso é missão. Adaptabilidade, história, perguntas sem respostas, vivências.



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